sábado, 16 de maio de 2009

A última humilhação

Quando você é fofinho você tem que fazer com que outros atributos, que não os físicos, atraiam as pessoas para perto de ti. Por isso dizem que todo gordinho é engraçado ou, pelo menos, simpático. Somos mesmo porque a vida já bastante díficil, sabe? Então é preciso ter pelo menos um pouco de bom humor para conseguir seguir sorrindo.
O mais legal foi que, comigo, isso aconteceu naturalmente. Nunca me preocupei muito em fazer amigos, eu sempre acabei encontrando-os entre uma escola e outra, entre um tropeço e outro.
Foi assim que eu conheci a Emy, na minha quarta série, quando ainda éramos mini e brincávamos de Barbie na banheira. Éramos duas estranhas em uma escola nova e começamos a tomar nosso lanche juntas. Eu não fazia idéia de que aquela seria a melhor pessoa que eu conheceria na vida, a que me apoiaria em todos os momentos fúteis e importantes.
Conforme os anos foram passando, ela foi se tornando naquela deusa grega, eleita todos os anos como a garota mais bonita da sala, da escola, do bairro, do universo... Enquanto eu era a amiga da garota linda. Qual delas? A fofinha engraçadinha.
A verdade é que eu já estava de saco cheio de ser ponto de referência.
Foi em uma noite de sábado que a Emy me ligou dizendo que nossos amigos iam comer no Mc Donalds e assistir "10 coisas que eu odeio em você", super estréia do cinema. Eu não estava fazendo nada em casa mesmo e, embora já tivesse jantado, um Mc era sempre bem vindo.
A mãe dela me pegaria em casa e nos daria carona até o shopping.
Topei o passeio e fui tomar um banho.
Quando já estava pronta, ouvi o soar da campainha. Abri a porta pra Emy, pra mãe dela e pra Bruna, uma amiga nossa que eu descobri que também iria. Estávamos todas na sala quando meu pai chegou para cumprimentá-las. Eu ainda não tinha tido tempo de avisá-lo onde ia, então falei:
- Pai, as meninas me convidaram pra comer um Mc e depois assistir um filme. Você pode me dar algum dinheiro?
Meu pai era um cara engraçado e gente fina. Foi criado humildemente no litoral com meus avós. Era um homem honesto, apesar de tudo. Honesto demais.
- Você não vai. - ele disse de repente.
- Por que? Eu já fiz toda a minha lição de casa e hoje é sáb...
- Porque você não acha que já está gorda demais pra ficar comendo Mc Donalds? Suas amigas sim podem fazer isso, olha como elas são magrinhas...
Eu amava meu pai, e sabia que ele não era o melhor medidor de palavras do mundo.
De qualquer modo, o sangue do meu sangue tinha me feito procurar um buraco bem grande no chão pra eu enfiar a cara e nunca mais sair de lá.
Nem me despedi das minhas amigas, fui correndo pro meu quarto sem tentar conter as lágrimas que escorriam fervorosamente pelo meu rosto.
Eu jurei pra mim mesma que era a última vez que eu passava por isso.

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