Todo mundo tem medo de alguma coisa, desde baratas até andar de avião. Eu tenho medo de uma porrada, mas comigo o buraco é mais embaixo. Eu tenho fobia de agulhas. Pra quem não sabe, fobia é um medo exacerbado, um trauma incontrolável que te tira de si. O meu medo de agulhas começou adolescente, na 8a. série quando minha mãe me levou pra tomar a antitetânica e eu fugi da enfermeira do posto de saúde. Daquele dia em diante eu me lembro de todas as vezes que eu tive que tomar injeção nessa vida.
O meu medo me domina. Me dá convulsões nervosas e os piores pesadelos acordados que alguém pode ter. Quando alguém tenta me dar uma injeção, eu sinto com se fosse violentada, como se a pessoa fosse me fazer mal, e pudesse até mesmo me matar. Sei que parece coisa de doido, e talvez seja mesmo. Até comecei a falar disso com a psicóloga um dia, mas ouvi a palavra "regressão" e tornei minhas visitas à profissional mais esporádicas ainda, pra não chamá-las de milagre. Você só cura uma fobia descobrindo a causa dela, e a minha pode não ser da Ana Carolina. Pode ser antes disso. Antes de 85. Não quero saber. Não ainda.
O grande problema é que essa porra me controla. Médico virou a tortura master. O namorado ou minha mãe me seguram, eu grito do fundo da alma e faço com que todos os enfermeiros me odeiem. De uns tempos pra cá, extendi minha relação traumática aos dentistas, graças à um açougueiro maldito que não parava quando eu levantava a mão com dor.
Essa semana descobri, a duras penas e depois de adiar anos a visita ao dentista..., que to com um canal. Pra quem não sabe, canal dói pra caralho. Dói mais quando vc é uma nervosa neurótica que fica tremendo na cadeira e que não acredita quando as pessoas te falam que tá tudo bem. Tá tudo bem meu ovo, eu sei que vai doer.
Dessa vez, eu sabia que ia doer, mas tinha alguma esperança. Eu sabia que eu não podia mais adiar isso, pq eu sabia que tava tomando remédio demais pra mascarar a dor. Pior, eu sabia que podia perder meu dente. Me submeti. Juro, fui muito além do meu limite. Eu tava com medo, queria sair de lá no próximo segundo, e cada vez que perguntava se ia demorar, eu ouvia "sim"...
A questão é que eu tinha que lutar com a minha mente todos os segundos, senão eu ia deixar a fobia me dominar e ia parar de cooperar. Tava doendo, mas tava suportável... Então... Veio uma anestesia no nervo do dente, e eu vi estrelas. Depois... Ele mexeu de novo pra tentar matar o nervo e continuou doendo... E eu desisti. Não dava! Eu simplesmente tinha dado uma chance pra mim mesma e fui lá ver se eu era capaz... Eu sabia que meu medo era maior do que minha capacidade de me controlar, mesmo tendo tanta gente me apoiando e torcendo pra eu conseguir.
O que as pessoas que vêem de fora não entendem é simples: não dá pra entender uma coisa que você não pode imaginar sentir. As pessoas me dizem "eu sei que é fácil falar, mas vc tem que controlar isso, vc tem que respirar fundo e enfrentar". Gente, PELO AMOR DE DEUS, se fosse só isso, vcs acham que eu ainda estaria me fudendo e pagando um puta mico por causa do escândalo que eu faço toda vez? PELO AMOR DE DEUS, entendam, NÃO É CONTROLÁVEL. Às vezes, quando to em casa, sozinha, sem nenhum risco de tomar uma agulhada, eu até falo pra mim mesma "Carol, deixa de ser idiota e enfrenta isso". Ai eu penso no Bob, em tudo que ele fez pra viver, e acho que vou conseguir. Só que ai, quando chega a hora, parece que eu saio de mim e o medo encarna em cada pedacinho do meu corpo, dominando todos os meus sentidos e pensamentos. Muitas vezes eu já vi as pessoas falando comigo e eu sem escutar nada. O medo bloqueia tudo que eu sou. O medo me impede de seguir. E é uma merda.
Só eu sei como queria ser uma pessoa normal, capaz de se submeter e confiar nos profissionais... Como queria ser mais corajosa e não precisar enfiar minha mãe e o Guto numa fria... Eu queria... Eu ainda não consigo vencer.
O dentista chegou no nervo, mas doía infinitos e eu tava tão cansada de lutar com a minha cabeça, que desisti de repente. Eu só queria ir embora, me afundar numa cama e esquecer tudo aquilo. Eu não tinha ido ao dentista. Eu tinha ido pra guerra. Pra minha guerra. Pra guerra que eu mesma criei, eu acho. Não sei se fobia é a gente que cria ou já vem com a gente. Não sei de onde vem a minha. Não sei se em alguma vida eu morri por algo assim. Não sei se a mulher que me colocou no mundo tentou me abortar de todas as formas possíveis, e injetou alguma coisa na barriga dela pra me matar. Eu sei que esse meu medo vem de um lugar escuro onde uma coisa muito ruim aconteceu. Uma coisa que eu não quero enfrentar, não ainda, e por isso tenho que carregar a fobia comigo, sendo parte de quem eu sou.
Semana que vem, ou melhor, daqui cinco dias, eu vou sentar naquela cadeira de novo, agora já sabendo o que me espera e, por isso, bem menos disposta a progredir e cooperar. Eu sei que é pro meu bem, mas eu tb sei que dói, uma dor alucinante. Eu também sei que é pior ficar com isso na boca. Acontece que a Carol que vos escreve é a mesma Carol que luta contra tudo isso, e até hoje não conseguiu se vencer...
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