segunda-feira, 18 de abril de 2011

Amor, caráter e outras drogas


Quando eu completei 15 anos, meu tio morreu de câncer, depois de dois anos de luta de todos nós. Eu fiz 15 anos chorando em casa, com meus pais no hospital tentando fazer algo por ele. Eu e meu tio fazíamos aniversário no mesmo dia, e só isso - por si só - explica que a gente tinha uma boa conexão. Quando ele foi embora, eu senti pela primeira vez na vida a dor da perda. E doeu. Doeu. Doeu. Ainda dói às vezes, principalmente no meu (nosso aniversário). Mas eu sofri, como tinha que ser.
Meu tio deixou uma esposa e dois filhos. Educou os dois (e temo dizer que um pouco de seus dois sobrinhos tb) com todo seu coração, e tentou fazer o melhor que podia. Um dos filhos, que sempre fora bonzinho, bom de papo, companheiro e amigo, mostrou em cada olhar a falta que o pai fazia. E fez com que essa ausência o fizesse uma pessoa mais sofrida, mas também mais forte. Alguém que sabia o que esperar da vida. O outro filho...
O outro filho sempre foi uma causa de discussão. Desde de pequeno foi o briguendo, o que gritava, o que arranjava briga na escola, o que tinha sempre as piores idéias de brincadeiras maldosas possíveis. Aquele que aprendeu a andar de patins antes dos outros, quis surfar antes de ser capaz e já sonhava em fazer tatuagens com símbolos grotescos. Quando o pai se foi, rendeu-se ao direito de fazer o que queria da vida. Encontrou na maconha e em todas as outras drogas a paz que sozinho ele já não ia mais encontrar. Falha de caráter? Quem pode julgar isso?
Meu primo me xingou das piores coisas do mundo e me tratou como se eu fosse um lixo desde pequena. Por que? Porque eu era gorda, e ele preferia me humilhar do que ser visto do meu lado. E eu odiava ele. Com 16 anos eu me vi sendo buscada na escola pra ir com meus pais e meu irmão em clínicas de reabilitação pra ver qual era melhor pra ele. Como se eu fosse me importar com as escolhas que ele tinha feito. Eu não me importava com o que ele tinha feito da vida dele, mas me importava que ele batesse na minha tia e no meu primo, e que os tratasse tão mal como um dia fizera comigo. Era sua mãe e seu irmão. A família que ele tinha. E ele pouco se importava.
Internaram ele e eu tive que ir na reabilitação fazer terapia em família. Depois tive que ir na Igreja rezar pela libertação dele. Ele saiu da reabilitação e fez o que? Foi pras drogas, as únicas que o entendiam plenamente e o tiravam desse mundo onde havia um trabalho, uma família e dívidas de respeito para com seus semelhantes.
Cansados, mandamos ele pro Canadá por seis meses pra ver se mudava. Quem muda quando você manda? NINGUÉM! As pessoas TALVEZ mudem quando elas decidirem assim. Ele gastou mó grana, fez o que quis lá, e voltou mais idiota.
Foram muitas tentativas depois dessa, até que um dia ninguém mais conseguiu acreditar que ele ia mudar. Ai ele mudou, foi morar na praia. Hoje pula de emprego em emprego, passa fome, vive precisando da minha tia pra pagar as contas. Provavelmente ainda usa drogas, pois foram elas as únicas que não fecharam as portas pra ele. Nem a própria mãe, viúva e professora de escola pública, lhe abre as portas com carinho. O próprio coração ela não lhe abre mais. "Mas é seu filho" vocês devem dizer. Sim, ele é. Então imagine o quanto ele feriu o coração dela para que ela hoje lhe negue o amor. Quando você perde o amor da própria mãe, tenha certeza de que nesse mundo não te resta nada.
Mas ele sobrevive, com suas drogas, por ai.

Por que eu contei isso? Porque queria explicar o contexto que me fez não escolher as drogas. Elas estão em toda parte. Todo mundo têm acesso e simplesmente você não tem como tirar ela de perto de seu filho. Tudo que você pode fazer é educá-lo da melhor forma e esperar que, na hora certa, ele faça as escolhas certas. Acho que todo mundo, adolescente ou não, já deve ter pelo menos pensado em como é usar drogas. Como é a alucinação, o quanto ela o aliviaria nesse momento de tantas dúvidas, inseguranças e incertezas. Usar um dia, inofencivamente, não faria mal a ninguém. E no outro dia você procuraria resolver seus problemas. Doce engano. Problemas todo mundo tem. Dúvidas todo mundo tem. E esquecer desse mundo brisando por ai não resolve nada disso. Apenas cria mais um problema pra você, cuja dimensão pode se tornar maior do que você jamais quis.
Quando eu tive a oportunidade de usar drogas, eu disse não. Disse não porque sabia que se eu dissesse sim, eu seria fraca suficiente para não deixá-las mais. Falha de caráter? Talvez. Provavelmente. Por isso mesmo eu sabia que tinha que escolher com consciência.
Essa não é minha única "falha de caráter". Talvez não seja nem a principal. Mas todo mundo tem um monte delas, e isso que nos faz humanos. Humanos capazes de serem felizes vendo um por-do-sol, viajando num final de semana ensolarado, bebendo até cair numa balada open bar, fazendo um filme bisonho e postando no youtube, saindo pra comer com aquela pessoa especial ou simplesmente sentados ao sofá com aqueles que estarão sempre lá por eles. Tem tanta coisa tão boa que a gente pode fazer na vida, que eu não consigo entender porquê fugir dos problemas. Resolver não é fácil, mas é preciso. E todo mundo tem que resolver, senão eles te engolem um dia.
Suas escolhas definirão quem você é. Não precisa ser o que todo mundo espera, o que todo mundo quer de você. Mas seja alguém de quem você mesmo tenha orgulho, pois só assim todos respeitarão a pessoa que você é, ou a que você escolher se tornar a partir de agora. Ter feito uma escolha equivocada não o torna a pior pessoa do mundo e não transforma o erro em irreparável. Reconhecer isso, aprender com isso e melhorar, isso sim é o que pode te definir como alguém digno de um sorriso, de um carinho e de admiração pessoal. Porque todo mundo quer que os outros reconheçam quem a gente é, o quanto a gente batalha mas, principalmente, a gente mesmo tem que ter orgulho do que a gente faz.

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