Eu copiei a matéria do menino que sentava do meu lado e esperei o sinal tocar e a professora começar a falar. Sabe o que é legal nas aulas do colégio? Elas desenvolvem sua habilidade em "viajar" para qualquer lugar ou qualquer momento. Elas incentivam sua criatividade, fazendo você avaliar o passado e planejar o futuro (nem que futuro seja o que você vai comer no intervalo) enquanto a professora fala grego bem na sua frente.
Aquele dia, entretanto, parece que ela falou português quando ficou vermelha de raiva e disse pro Mário ir sentar-se na minha frente antes que ela o mandasse pra diretoria. Não sei o que ele fez, mas deve ter sido algo realmente sério.
O Mário sempre era vítima dos professores. Ele era moreno, tinha 17 anos, tinha os ossos definidos e nenhuma sombra de carnes ou músculos rondavam aquele corpo. Como eu, ele não tinha grandes atributos físicos. Acho que por isso ele também era meio revoltado com a vida. Vivia reclamando, xingando todo mundo, não tinha tolerância nem com o melhor amigo. Às vezes eu me pegava observando o jeito dele, pensando nos porquês da vida que o haviam levado a ser daquela maneira. Nunca havíamos trocado uma mísera palavra naqueles anos de escola.
Ele sentou na minha frente e bufou, puto da vida que estava isolado de todo mundo. Claro que ele nem sonhava que atrás dele batia um coração.
Mário acabou ficando fixo naquele lugar e, acho que pela necessidade do ser humano de se comunicar, acabou falando comigo.
Nos primeiros dias ele só me pedia lição ou copiava alguma coisa. Entre uma aula e outra, às vezes, ameaçávamos algum comentário inspirado e engraçado, o que acabou nos tornando colegas de classe.
Veja que, entre um colega e um amigo temos um graaaande caminho a percorrer.
Mas eu estava sozinha, então não fazia a menor diferença.
Eu comecei a fugir da Emily que nem o diabo fugia da cruz. Ela tentava me convidar pra festas e eventos e bares e noites do pijama, mas eu estava me tornando expert em inventar desculpas. Quando eu não compareci ao aniversário dela, ela finalmente entendeu que não éramos mais grandes confidentes. Ela nunca entendeu porquê eu me afastei. Quanto mais ela e o Vitor se aproximavam um do outro, mais eu me separava dela.
O Mário entrou no meio desse contexto e ganhou minha confiança perdida.
Por algum motivo, a gordinha nerd ganhou a simpatia dele também.
Conversávamos horas durante a aula, sobre muitos assuntos. Ele acalentava meu coração dizendo que eu tinha que superar tudo aquilo e seguir com a minha vida. Ríamos muito juntos mas, na verdade, eu mal o conhecia. Falávamos sobre tudo, mas nunca sobre ele. O Mário era um poço de mistérios onde ninguém se atrevia a puxar um balde de segredos. As pessoas tinham medo dele, mas eu não tinha mais. Pra mim, ele era um barato!
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