Hoje eu só procuro a minha paz

- Desisto - ela pensou.
- Eu não posso, já cheguei até aqui - pensou de novo.
- Mas eu não consigo...
Ela tinha brigas internas, essa era uma irrefutável verdade. Vira e mexe se pegava brigando com a própria mente. Brigava contra seus pensamentos, contra seus sentimentos. Buscava soluções sensatas e que contribuissem para o futuro. O grande problema era que era difícil lutar contra o que mais queria. Era impossível tirar tudo da cabeça e simplesmente caminhar. A paz, a tão sonhada paz, era uma utopia. Ela nem sabia se essa tal de paz, que todo mundo vivia pedindo à Deus e à tudo, era algo que pudesse existir. Ela se conhecia, conhecia um pouco do mundo e há muito desistira de conhecer as pessoas.
Há muito tempo aprendera que vivia em um mundo movido por interesses, caras e bocas. As pessoas se aproximavam dela por tantos motivos diferentes, que começou a pensar ser impossível permitir-se confiar em outrem. Talvez por isso que os amigos, os poucos e bons, eram todos de muitos anos. Todos que a conheceram na infância e, talvez por isso, tivessem uma chance de saber quem ela era - nem ela sabia isso.
Algumas vezes falhara, miseravelmente. Deixara pessoas novas entrarem e mudarem sua vida. Quando percebia, seu coração já palpitava, seus olhos já brilhavam e não havia como lutar contra. Por vezes se afastou. Deixou pra lá. Fugiu. Fisicamente, eu digo. Mentalmente ela nunca se afastava de ninguém. Nem dos amigos, menos ainda dos inimigos.
Inimigos a incomodavam. Ela guardava tanto rancor das pessoas que se culpava por isso. Ninguém tinha culpa que ela não esquecia as palavras doídas, as atitudes impensadas e os momentos de raiva. Ela não esquecia, aumentava, e permitia que aquilo a consumisse. Por dentro, ela sabia que se matava aos poucos fazendo isso, mas o turbilhão de pensamentos era algo que nem anos de terapia haviam conseguido frear. O jeito era aceitar que ela sofreria as consequências por não ser capaz de brecar as energias negativas, abosrvê-las e deixar-se consumir. Reclamava de gastrite, de bronquite, de mil ites... Mas sabia que não fazia nada para curá-las, e não tinha nem coragem de entrar nessa briga contra a própria mente, que ela mais uma vez travara sem perceber.
O motivo dessa vez eram as malditas escolhas. Ela se arrependia, profundamente. Finalmente conseguiu assumir pra si mesma. Sentia uma sensação tão ruim, que lembrava com medo de que era algo que já a atormentara antes. Aquelas dores, aqueles ataques... Ela sabia de onde viam e onde iriam parar. Queria gritar e contar pro mundo o que a incomodava, mas diriam que ela era louca, que reclamava demais, que não sabia o que queria.
Ela era diferente das pessoas. Ela as sentia mais. Ela sentia mais dores, mais amores, mais rancores. Era mais feliz ou mais triste. Era só uma fresquinha mimada que tinha problemas psicológicos. Era só uma mulher que fora maltratada na gestação e tinha que conviver com os traumas de ter sido odiada e abandonada assim que nasceu. O seu maior ódio, ela sabia, era contra àquela que a pusera no mundo e, sem saber das consequências, gerara um bebê cheio de marcas tão profundas que assustavam e multiplicavam-se em milhares de pensamentos tão destrutivos que ela sabia que nunca teria coragem de dizê-los em voz alta.
Vencer dependia somente dela, e ela não gostava nada disso. Precisava de apoio, mas tinha medo das revelações, dos remédios controlados, do preconceito. Preferia, então, lutar em seu mundo contra uma mente de lembranças, boas e ruins, que não a permitiam uma única e miserável noite de sono... em paz!